A Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) é um documento essencial que ajuda tanto servidores públicos quanto trabalhadores do setor privado a reunir e comprovar seus períodos de contribuição para a previdência, independentemente de em qual regime esses períodos foram cumpridos. Isso é importante porque, ao longo da carreira, uma pessoa pode contribuir para diferentes regimes de previdência (como o INSS, regimes próprios de estados ou municípios, e até mesmo durante o serviço militar). Ao se aposentar, ela vai querer que todo esse tempo seja considerado para definir seus direitos previdenciários, como a aposentadoria.
Esse processo é fundamental para garantir que os trabalhadores possam unificar o tempo de contribuição de diferentes fases da vida profissional num único benefício. Além disso, facilita a compensação financeira entre os diferentes regimes de previdência, garantindo um equilíbrio nos recursos disponíveis para pagar as aposentadorias, conforme previsto nos §§ 9º e § 9ºA do art. 201 da Constituição Federal.
Para obter a CTC, o trabalhador deve solicitá-la junto ao regime de previdência onde realizou as contribuições. Esse documento então prova quanto tempo contribuiu e pode ser usado para requisitar a aposentadoria em outro regime.
Imagine um servidor público que trabalha no município de Laje do Muriaé, no início de sua carreira, essa pessoa trabalhou em uma empresa privada por 10 anos, período durante o qual contribuiu regularmente para o INSS. Posteriormente, passou em um concurso público e começou a trabalhar para a prefeitura de Laje do Muriaé, contribuindo desde então para o regime próprio de previdência dos servidores públicos municipais (Prev-Laje).
Agora, suponhamos que essa pessoa esteja se aproximando da aposentadoria e deseja garantir que todo o seu tempo de trabalho seja contabilizado para determinar o valor de sua aposentadoria. Para isso, ela precisa “averbar” o tempo de contribuição do INSS (ente de origem, onde começou sua carreira) para o regime próprio de previdência do município de Laje do Muriaé (ente instituidor, onde pretende se aposentar).
Nesse contexto, a Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) é essencial. O servidor deverá solicitar ao INSS a emissão da CTC, documentando os 10 anos de contribuição no regime geral. Com essa certidão em mãos, ele então a apresenta à previdência do município de Laje do Muriaé, para que esse tempo seja oficialmente reconhecido e adicionado ao seu tempo total de contribuição no regime próprio do município.
Legislação
A legislação brasileira estabelece diretrizes específicas para a gestão dos regimes próprios de previdência social (RPPS) dos servidores públicos, enfatizando a importância da compensação financeira entre diferentes sistemas de previdência. De acordo com a Lei nº 9.717, de 1998, essa compensação é essencial para manter a regularidade e o funcionamento adequado dos RPPS. Essa lei destaca que, sem a devida compensação entre os regimes de previdência, os RPPS podem enfrentar penalidades legais, ressaltando a necessidade de se cumprir as normas estabelecidas para garantir a saúde financeira do sistema previdenciário.
Além disso, a Portaria MTP nº 1.467, de 2022, detalha os procedimentos e regras que os RPPS devem seguir para cumprir essas diretrizes gerais. Ela aborda desde a emissão da Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) — documento que comprova o tempo de contribuição de um trabalhador em diferentes regimes — até a forma como esse tempo pode ser aproveitado em outro regime de previdência, incluindo a operacionalização da compensação financeira entre os regimes envolvidos.
Desaverbação
A legislação brasileira, especificamente no artigo 96, inciso VIII, da Lei nº 8.213 de 1991, modificada pela Lei nº 13.846 de 2019, estabelece critérios rigorosos sobre a possibilidade de se retirar (desaverbar) o tempo de contribuição já registrado em Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). Segundo esta legislação, não é permitido retirar o registro de tempo de contribuição se esse período já resultou em algum tipo de vantagem financeira para o servidor, como abonos, promoções, ou o recebimento de qualquer benefício ligado a esse tempo. Em outras palavras, se o servidor já se beneficiou financeiramente de seu tempo de contribuição, ele não pode mais optar por desconsiderá-lo no seu regime de previdência.
Contudo, a lei também indica que a desaverbação pode ocorrer se o tempo de contribuição em questão não foi utilizado para obter benefícios previdenciários, ou se as vantagens não forem financeiras. Nesse contexto, o servidor tem a liberdade, mediante solicitação formal, de desaverbar esse tempo, desde que atenda às condições estipuladas.
Importante mencionar que, com a Emenda Constitucional nº 103 de 2019, fica entendido que a aposentadoria baseada no uso desse tempo de contribuição implica o término do vínculo empregatício que originou tal contribuição. Isso representa uma mudança significativa em relação às regras anteriores, que também exigiam o fim do vínculo empregatício para a aposentadoria dos servidores públicos efetivos.
Essa interpretação das normas sobre a averbação e desaverbação do tempo de contribuição foi reforçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em diversas decisões, inclusive no julgamento do Recurso Extraordinário 1.302.501, Tema 606, consolidando o entendimento de que as disposições legais devem ser cumpridas conforme estabelecido.
Art. 170. A concessão de aposentadoria ao servidor titular de cargo efetivo, ainda que pelo RGPS, com a utilização de tempo de contribuição decorrente do cargo em exercício, acarretará o rompimento do vínculo funcional e determinará a vacância do cargo.
Parágrafo único. O tempo de contribuição relativo a emprego público ou cargo anterior averbado no RPPS, somente poderá ser desaverbado e utilizado para obtenção de aposentadoria no regime anterior se não tiver gerado a concessão de vantagens remuneratórias ao segurado no cargo em exercício.
Neste contexto, a legislação previdenciária brasileira, em sua complexidade, visa assegurar tanto a justiça quanto a eficiência no reconhecimento do tempo de contribuição dos servidores públicos, considerando as diversas formas como esse tempo pode influenciar os direitos à aposentadoria. Especificamente, ela restringe a prática de desaverbação de tempo de contribuição nos RPPS, exceto em circunstâncias muito específicas, como quando o tempo não foi utilizado para obtenção de vantagens financeiras.
Esta medida protege o equilíbrio financeiro dos regimes previdenciários, assegurando que benefícios já concedidos não sejam base para manobras que poderiam prejudicar o sistema. A reforma previdenciária, por meio da Emenda Constitucional nº 103 de 2019, e a jurisprudência do STF têm fortalecido essa perspectiva, visando a sustentabilidade do sistema previdenciário.
Para finalizar, tomemos, por exemplo, um servidor público de Laje do Muriaé que, antes de ingressar no serviço público municipal, trabalhou em empresas privadas onde contribuiu para o RGPS (INSS). Posteriormente, ao se tornar servidor público, ele averba seu tempo de contribuição do INSS no regime próprio do município, potencialmente aumentando seu benefício de aposentadoria futura.
Conforme a legislação vigente, se esse tempo averbado proporcionou ao servidor qualquer vantagem remuneratória, como um abono de permanência e triênio, ele não pode desaverbar esse tempo para, por exemplo, reivindicar uma aposentadoria pelo RGPS. Apenas se esse tempo não tivesse sido usado para obter vantagens financeiras é que a desaverbação seria possível, sempre respeitando o rompimento do vínculo empregatício caso a aposentadoria seja concedida com base nesse tempo.
Essa regulamentação assegura que a gestão do tempo de contribuição seja feita de maneira prudente e responsável, refletindo os princípios de justiça e sustentabilidade previdenciária.
Evandro Martins
Diretor de Previdência do Prev-Laje